Saiba como surgiu o cara ou coroa, jogo que decidiu futebol e até eleição
A cena é tão corriqueira que você nem repara que toda semana os principais canais de TV transmitem uma disputa de cara ou coroa. Desde 1863, é este jogo de moeda que decide qual equipe vai começar uma partida de futebol.
Mas você sabe a origem da disputa?
O jogo teria surgido na Roma Antiga e era conhecido como "navio ou cara" (navia aut caput), em referência às moedas mais antigas do período. De um lado, elas traziam a imagem do deus Jano (que tinha duas faces, uma delas olhava para frente e a outra, para trás), que os romanos acreditavam ter sido o primeiro a cunhar moedas de bronze. Do outro lado, havia desenhos de embarcações, já que Jano também teria sido o inventor dos navios. Daí o nome "navio ou cara". Não à toa, o nome desta clássica disputa foi o escolhido para batizar este blog de numismática.
Embora as regras do cara ou coroa sejam as mesmas em qualquer lugar do mundo, cada lugar batizou o jogo de acordo com suas tradições. Na Espanha, por exemplo, é "cara o cruz", já que o país sempre foi muito católico. De um lado havia o rosto do rei e do outro, a cruz católica. No México, se chama "aguilla o sol" (águia ou sol) e no Peru é "cara o sello" (cara ou brasão).
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Nos países de língua inglesa também há vários termos para o jogo. O mais famoso é "heads or tails" (cabeças ou caudas). De um lado está a cabeça da rainha (ou do rei) e no outro, o brasão da monarquia britânica, que tem um leão com o rabo levantado. Ainda em inglês, o jogo também é chamado de penny flipping ou coin tossing (algo como moedas girando).
Moeda com o rosto da rainha Elizabeth 2ª e o detalhe do brasão com o leão
Moeda de 1915 com o rei George 5º (avô de Elizabeth 2ª) e o leão
Em português, a expressão vem das antigas moedas de Portugal. De um lado, elas traziam a face do rei (cara) e do outro, a coroa. No Brasil, o nome foi mantido, embora não existam mais coroas.
Nas moedas de real, cara é o lado em que aparece a imagem do homenageado (Pedro Álvares Cabral, Tiradentes, D. Pedro 1º, Marechal Deodoro da Fonseca, Rio Branco e efígie da República) e coroa é o lado em que aparece o valor 1, 5, 10, 25 e 50 centavos e R$ 1.
Eu tenho aqui na minha coleção algumas das moedas brasileiras antigas que trazem as ilustrações de cara (no caso, o imperador D. Pedro 2º) e do outro lado, a sua coroa.
Veja só:
Antes era mais fácil. De um lado, a cara de D. Pedro 2º e do outro, a coroa
Sorte?

Árbitro Nielson Nogueira Dias faz um cara ou coroa antes da partida (imagem: Geraldo Bubniak/AGB/Folhapress)
Em uma certa ocasião, o pesquisador inglês John Kerrich resolveu tirar a prova e concluiu que a probabilidade de vitória é de praticamente 50% para cada lado. Kerrich jogou a mesma moeda para o alto 10 mil vezes (é isso mesmo, você não leu errado: DEZ MIL VEZES) e anotou todos os resultados. Foram 5.067 caras e 4.933 coroas, ou seja, uma probabilidade de 50,67% de acerto em cara e 49,33% em coroa.
Uma probabilidade como essa faz do cara ou coroa um jogo simples e justo que pode ser usado quando é necessário tomar uma decisão levando em consideração apenas a sorte. Inclusive para desempatar eleições.
Foi o que aconteceu no início deste ano no vilarejo de Colp, no interior do Illinois, nos Estados Unidos. Os dois candidatos a "presidente do vilarejo" (uma espécie de prefeito com menos poderes) receberam o mesmo número de votos: 11. Pelas regras do Estado, o desempate é no cara ou coroa.
Até nome de cidade nos Estados Unidos já foi escolhido no cara ou coroa. Em 1845, Asa Lovejoy e Francis Pettygrove disputaram na sorte quem teria o direito de batizar a cidade onde eles moravam. Pettygrove ganhou e cravou "Portland", no Oregon.
No Brasil, a regra de desempate nas eleições é mais sem graça. O candidato mais velho vence, como já ocorreu em 2014 e também em 2016.
Na cultura pop, o personagem mais famoso a usar o cara ou coroa foi o vilão Duas Caras, de Batman. Ele tem metade de sua face desfigurada e a outra normal.
Antes de tomar alguma decisão, o personagem sempre joga a sua moedinha para o alto, deixando suas atitudes a cargo da sorte.
No cinema, Harvey Dent, o Duas Caras, foi interpretado por Tommy Lee Jones em "Batman Forever" (1995) e por Aaron Eckhart, em "Batman – O Cavaleiro das Trevas" (2008).
Só não pode cair em pé
De volta ao futebol…
A semifinal da Copa América de 1975 foi decidida no cara ou coroa. A partida entre o Brasil e o Peru terminou empatada em todos os critérios de desempate. Na moedinha, quem venceu foi o Peru, que disputou a final com a Colômbia.
E o que aconteceu na final? Peru e Colômbia também empataram. Só que, dessa vez, a Conmebol achou demais o título ser decidido na sorte e marcou um novo jogo, agora sim, com vitória do Peru.
Os árbitros de futebol levam o cara ou coroa tão a sério que alguns deles têm até suas próprias moedas customizadas, feitas com exclusividade para a ocasião, como mostrou essa reportagem do UOL Esporte.
Mas nesta brincadeira, a única coisa que não pode acontecer é a moeda cair em pé.
Quando eu era criança, meu avô sempre me dizia que só me deixaria fazer bagunça com meus irmãos se a moeda caísse em pé. Nunca caiu.
No futebol (sempre ele), isso já aconteceu. Em 2016, o árbitro brasileiro Heber Roberto Lopes jogou a moedinha para o alto e ela caiu em pé no gramado. E não era uma partida qualquer. O jogo internacional entre as seleções da Colômbia e Paraguai estava valendo para a Copa América.
Os dois capitães pareceram não acreditar na situação. A alternativa foi jogar a moeda novamente. Na ocasião, o árbitro disse que isso "nunca tinha acontecido com ele antes". Aposto que nunca aconteceu com ninguém.
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